A importância da memória autobiográfica na saúde mental
- o pátio - comunidade
- 28 de jan. de 2018
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A memória autobiográfica apresenta-se como um conceito fulcral na compreensão do ser-humano. A sua complexidade aliada à sua interação com os mais variados factores, dão a este conceito um lugar de destaque na saúde mental podendo contribuir, quer para uma perpetuação das perturbações afectivas, quer para a manutenção do bem-estar.

Memórias Autobiográficas Nas Perturbações Afetivas
- Em perturbações afectivas tais como a depressão, perturbações alimentares e pós-stress traumático, estudos revelam um efeito da memória supergeneralizada no qual se verifica uma redução na especificidade da memória. Através de um evitamento de detalhes específicos dolorosos, os indivíduos procuram minimizar as suas emoções desagradáveis (1). No entanto, este efeito parece estender-se também para as memórias agradáveis. Os sujeitos diagnosticados com depressão demonstraram-se frequentemente incapazes de relembrar memórias específicas de eventos agradáveis, relembrando em vez disso memórias gerais (2);
- Indivíduos com depressão apresentam ainda uma maior probabilidade de relembrar experiências desagradáveis - fenómeno da congruência. Existe uma congruência entre a valência do estado de humor e das memórias relembradas (3).
Memórias Autobiográficas No Bem-Estar
Já na ausência de perturbação, a memória autobiográfica contribui para uma manutenção do bem-estar. Os indivíduos tendem então a:
- Relembrar mais memórias agradáveis que desagradáveis, quer para estados de humor “positivos” (4) como para “negativos”, podendo estas memórias ser utilizadas para “reparar” estes últimos (5)
- As primeiras tendem também a ser mais claras e vívidas (6), a ter um impacto emocional subjectivo mais duradouro e intenso (7) e a ser percepcionadas como mais próximas temporalmente (8) e mais constantes no tempo (9).
- Indivíduos saudáveis com níveis de bem-estar reduzido tendem a relembrar memórias desagradáveis com maior especificidade, contribuindo para um processamento do evento doloroso através de um “amortecer” da experiência emocional – hipótese da inibição estratégica (10).
- Também certos temas, tais como memórias de relacionamento com os outros (11) ou resoluções bem-sucedidas de experiências de vida difíceis (12) têm sido mais associados com o bem-estar.
Referências:
(1) e.g. Dalgleish, T., Rolfe, J., Golden, A.-M., Dunn, B. D., & Barnard, P. J. (2008). Reduced autobiographical memory specificity and posttraumatic stress: Exploring the contributions of impaired executive control and affect regulation. Journal of Abnormal Psychology, 117(1), 236–241. http://doi.org/10.1037/0021-843X.117.1.236
Dalgleish, T., Tchanturia, K., Serpell, L., Hems, S., Yiend, J., de Silva, P., & Treasure, J. (2003). Self-reported parental abuse relates to autobiographical memory style in patients with eating disorders. Emotion, 3(3), 211–222. http://doi.org/10.1037/1528-3542.3.3.211
Williams, J. M. G., Barnhofer, T., Crane, C., Herman, D., Raes, F., Watkins, E., & Dalgleish, T. (2007). Autobiographical memory specificity and emotional disorder. Psychological Bulletin, 133(1), 122–148. http://doi.org/10.1037/0033-2909.133.1.122
(2) Moore, R. G., Watts, F. N. & Williams, J. M. (1988). The specificity of personal memories in depression. British Journal of Clinical Psychology, 27(3). 275-6. doi: 10.1111/j.2044-8260.1988.tb00790.x
(3) e.g. Nandrino, J. L., Pezard, L., Posté, A., Réveillère, C., & Beaune, D. (2002). Autobiographical memory in major depression: A comparison between first-episode and recurrent patients. Psychopathology, 35(6), 335–340. http://doi.org/10.1159/000068591
(4) Bower, G. H. (1981). Mood and Memory. Am. Psychol., 36(2), 129–148. http://doi.org/10.1016/0005-7967(87)90052-0
(5) Josephson, B. R., Singer, J. A. & Salovey, P. (1996). Mood Regulation and Memory: Repairing Sad Moods with Happy Memories. Psychology, 10(4), 437–444. http://doi.org/10.1080/026999396380222
(6) Andersson, G., Boethius, S. B., Svirsky, L., & Carlberg, G. (2006). Memories of significant life episodes in childhood psychotherapy: An autobiographical memory approach. Psychology & Psychotherapy: Theory, Research & Practice, 79, 229-236. doi:10.1348/147608305X53198
(7) Collins, K. A., Pillemer, D. B., Ivcevic, Z., & Gooze, R. A. (2007). Cultural scripts guide recall of intensely positive life events. Memory & Cognition, 35(4), 651-659. doi:10.3758/bf03193303
(8) Ross, M., & Wilson, A. E. (2002). It feels like yesterday: self-esteem, valence of personal past experiences, and judgments of subjective distance. Journal of Personality and Social Psychology, 82(5), 792–803. http://doi.org/10.1037/0022-3514.82.5.792
(9) Pasupathi, M. (2003). Emotion regulation during social remembering: differences between emotions elicited during an event and emotions elicited when talking about it. Memory (Hove, England), 11(2), 151–163. http://doi.org/10.1080/741938212
(10) Philippot, P., Schaefer, A., & Herbette, G. (2003). Consequences of specific processing of emotional information: Impact of general versus specific autobiographical memory priming on emotion elicitation. Emotion, 3(3), 270–283. http://doi.org/10.1126/science.1144640
(11) Bauer, J. J., & Mcadams, D. P. (n.d.). Personal Growth in Adults ’ Stories of Life Transitions, (June 2004).
(12) Pals, J. L. (2006). Narrative identity processing of difficult life experiences: Pathways of personality development and positive self-transformation in adulthood. Journal of Personality, 74, 1079-1110
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